Cecília era uma menina que adorava dançar. Nunca havia realmente ido a um baile, mas sonhava com aquele salão repleto de moças com laçarotes de cetim no cabelo e vestidos rodados. Na verdade, o que mais a fascinava era a imagem de vestidos de veludo, dançando esvoaçantes ao som da orquestra, revelando as anáguas de renda que se escondiam por debaixo do pano.
Mas Cecília era ainda uma guria e jamais a deixariam entrar em um baile. Por enquanto, apenas sonhava...
Em uma tarde de outubro, a menina chegou em casa com um sorriso de lado a lado e um convite irrecusável nas mãos: a sua escola iria fazer um baile de primavera e todas as crianças e seus pais estavam convidados! Parecia até um sonho, do qual ela não queria despertar. Enquanto rodopiava estonteante pela sala de sua casa, treinando os passos para o baile, percebeu que era tudo real!
Passada tamanha excitação, enquanto seus batimentos voltavam ao normal, e sua cabeça parava de girar, Cecília foi tomada por uma tristeza. Um sentimento puro e verdadeiro, como quando uma criança descobre que não existe Papai Noel. Não era o caso da menina. A vida difícil, da qual fazia parte, nunca permitiu que ela acreditasse em Papai Noel. Apesar disso, ela sempre aceitou a dificuldade na qual seus pais viviam. Mas, dessa vez, tudo que ela queria era ter um vestido rodado! Ficou, então, imaginando que, sem o vestido rodopiando pelo salão, o baile jamais seria igual ao de sua fantasia...
Chegado o dia do baile, Cecília já não demonstrava o mesmo sorriso alegre, apesar de o céu nunca ter antes visto tantas estrelas brilhando para ela. Vestindo o mesmo vestido lilás que usava para as missas de domingo, Cecília se agarrou nas mãos de sua mãe e as duas foram caminhando até a festa. A menina percorreu todo o trajeto de olhos tristonhos, imaginando que ninguém jamais veria a anágua que escondia embaixo daquele simples vestido, que não rodava.
De repente, Cecília sentiu algo invadir novamente a sua alma de sonhos: era a melodia da orquestra que roubava o silêncio das ruas! Soltando a mão protetora de sua mãe, a menina correu para o salão. Os balões coloridos, que camuflavam as paredes frias do ginásio da escola, e as violetas da cor de seu vestido, que ornamentavam tão delicadamente as mesas, a fizeram esquecer o quanto o seu vestido não rodava. A menina, então, se deixou levar pelo som irresistível dos instrumentos e, enquanto dançava pelo salão, namorava os outros vestidos que rodavam à sua volta.
Ao longe, uma senhora observava aquela cena – via a alegria tão evidente e singela de uma menina que dançava o seu primeiro baile. Já aposentada, a professora era rica de viuvez, mas tão pobre de alma, como Cecília de vestidos rodados. Os anos fizeram-na esquecer seus sonhos, deixando apenas a amargura da vivência. A senhora compareceu ao baile ao qual foi convidada, como mandava a etiqueta, mas já estava de saída.
Ao passar ao lado de Cecília, num ato distraído, esbarrou na menina que rodopiava, mas ela não parou de dançar. O simples esbarrão entre as duas despertou para um mundo de sentimentos a senhora, que estava em estado de dormência por tanto tempo. Lembrou-se de quando era guria e também sonhava com os vestidos rodados em bailes de gala. Hoje, ela usava um de seus tantos vestidos de festa, mas não havia sequer lhe dado uma chance de rodar. Envolta por aquela inocência infantil, permaneceu onde estava e começou a dançar. Enquanto rodopiava a uma velocidade bem mais lenta que a de Cecília, a senhora observava, com olhos de menina, os balões coloridos que giravam ao seu redor. Só agora ela havia notado como o colégio estava enfeitado!
As duas meninas dançaram e permaneceram assim até a última nota silenciar.
Era, ainda, o primeiro de muitos bailes de Cecília. Para a senhora, foi o último. Mas nenhuma das duas jamais esqueceu aquele baile, nem a imagem de Cecília dançando tão feliz, com seu vestido que não sabia rodar.